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terça-feira, 27 de novembro de 2012

Lição 9: O evangelho do Apóstolo Paulo e sua pedagogia


Lição 09


O evangelho do Apóstolo Paulo e sua pedagogia

Texto Áureo

“E desta maneira me esforcei por anunciar o evangelho, não onde Cristo foi nomeado, para não edificar sobre fundamento alheio”. Rm 15.20

Verdade Aplicada

O alvo principal do ensino cris­tão é apresentar a Deus todo homem perfeito em Jesus Cristo.

Objetivos da Lição

►      Mostrar que a pedagogia paulina se ocupa em firmar convicções verdadeiras que proporcionarão estar em paz com Deus e consigo;
►      Revelar a necessidade da cons­tante renovação da mente cristã através do ensino e meditação;
►      Promover na pessoa, a comunhão com Cristo através do aprendizado da Palavra, das virtudes e hábitos mentais sadios.

Textos de Referência

Rm 1.14       Eu sou devedor, tanto a gregos como a bárbaros, tanto a sábios como a ignoranTs
Rm 1.15       E assim, quanto está em mim, estou pronto para também vos anunciar o evangelho, a vós que estais em Roma.
Rm 1.16       Porque não me envergonho do evangelho de Cristo, pois é o poder de Deus para salvação de todo aquele que crê; primeiro do judeu, e também do grego.
Rm 1.17       Porque nele se descobre a justiça de Deus de fé em fé, como está escrito: Mas o justo viverá da fé.


Tema Geral: O evangelho, por meio do qual é dada a revelação da justiça de Deus e do elevado destino dos remidos (1:16,17).

1:16    Porque não me envergonho do evangelho, pois é o poder de Deus para salvação de todo aquele que crê; primeiro do judeu, e também do grego.

«...evangelho...» Nas paginas da Bíblia e na literatura antiga encontramos os seguintes usos dessa palavra:

No grego mais antigo, como nos escritos de Homero, significava «recompensa por trazer boas novas» (ver Hom. Od. xii.152).

No A.T. há dois usos: o de «boas novas», propriamente ditas, e o sentido que aparece no grego antigo, conforme dizemos no item 1, acima.

Termo técnico para «boas novas de vitória» (ver Plutarco, Demet. 17, 1:896c).

No culto imperial, esse vocábulo era usado para indicar as proclamações ao imperador divino, as proclamações de «boas novas» que davam vida ou salvação ao povo.

No grego antigo, e também posteriormente, significa «sacrifício oferecido por causa de boas novas» (ver Aristófanes, Eq. 658).

Na Septuaginta(LXX), como também em outras obras gregas de data mais recente, essa palavra indicava as próprias «boas novas» (ver II Rs 18:20,22,25).

No N.T., refere-se às «boas novas de salvação», ao anúncio sobre o reino de Deus, à mensagem de perdão que Deus enviou aos homens, à mensagem sobre toda a nova esperança que Deus forma nos corações dos crenTs Especialmente nos escritos de Paulo, o termo significa «boas novas», sobretudo no que se relaciona com as igrejas: o plano de Deus para a sua igreja, o destino e grande privilégio da mesma, incluindo os meios de salvação, o perdão de pecados, a justificação, etc., como elementos que incluem as boas novas.

De modo geral, pode-se afirmar que a palavra «evangelho» tem atravessado três fases, no decorrer da história, isto é: 1. Nos antigos autores gregos: «recompensa por trazer boas novas». 2. Na Septuaginta e outras obras: as próprias «boas novas». 3. No N.T.. as «boas novas sobre Cristo», ou ainda, os livros neotestamentários que falam sobre essa boa mensagem acerca de Jesus Cristo.

A palavra evangelho, aplicada aos livros de Mateus, de Marcos, de Lucas e de João, como título, não foi empregada pelos seus respectivos autores sagrados, como se esses fossem os títulos daquelas peças literárias. Mas muitos autores posteriores têm chamado esses livros por essa designação, ficando tal nome consagrado pelo uso.

Embora essa palavra, evangelho, signifique a mesma coisa que nos escritos do apóstolo Paulo, o que fica subentendido pelo uso dessa palavra tem um significado muito amplo nas epístolas desse apóstolo, simplesmente por causa de suas exaltadas visões sobre a natureza da igreja (conforme se vê no quarto capítulo da epístola aos Efésios), ou sobre a natureza exaltada do destino dos remidos (segundo se lê no primeiro capítulo da epístola aos Efésios e no oitavo capítulo desta epístola aos Romanos). Em parte alguma das Escrituras o vocábulo «evangelho» tem um significado tão profundo como tem nos escritos de Paulo, pois ali o seu sentido não é somente que os homens são perdoados de seus pecados e passam a ter por herança um lar celeste, mas também que os próprios seres dos crentes estão sendo gradativamente transformados segundo a imagem de Jesus Cristo, e isso tanto em seu aspecto moral (as virtudes e perfeições morais do Senhor Jesus) como em seu aspecto metafísico (a natureza essencial de Cristo, com seus poderes extraordinários sobre o mundo físico e o mundo espiritual).

Os remidos se tornarão a plenitude de Cristo, tal como o próprio Cristo é a plenitude de todas as coisas (ver Ef 1:23, 3:19). Não se pode dizer outro tanto com referência aos anjos. Por conseguinte, o destino dos remidos é muito mais elevado do que o dos anjos, pois haverão de participar os crentes da própria divindade, segundo se depreende claramente de trechos de Rm 8:29 e II Pe 1:4; Cl 2:10.

Ora, isso é boas novas do mais precioso quilate.

Ao receberem tais bênçãos é que os remidos atingirão a verdadeira «vida imortal», a qual consiste do mesmo tipo de vida que Deus possui. Todas essas ideias precisam ser incluídas naquilo que se entende por «boas novas», a saber, a mensagem sobre Jesus Cristo e suas bênçãos, oferecidas aos homens. (Ver Rm 2:16, como uma referência sobre aquilo que Paulo denomina de «meu evangelho», o qual é o mesmo evangelho que ele ministrava aos homens, incorporando as elevadas revelações que haviam sido conferidas a Paulo).

«O evangelho não vem somente em poder (ver I Ts 1:5), mas também é o próprio poder de Deus (ver Rm 1:16). Revela a justiça de Deus e conduz à salvação todos aqueles que creem (ver Rm 1:16,17). Paulo considerava o evangelho como um depósito sagrado (I Tm 1:11). Assim, pois, ele estava sob compulsão divina para proclamá-lo (ver I Co 9:16), e pedia as orações de seus irmãos na fé para que pudesse desincumbir-se de sua tarefa com ousadia (ver Ef 6:19), ainda que isso o sujeitasse a oposições (ver I Ts 2:2) e aflições (ver II Tm 1:8). O evangelho é a 'palavra da verdade' (Ef 1:13); porém, está oculto para os incrédulos (ver II Co 4:3,4), o que requer verificação sobrenatural ou prova racional (ver I Co 1:21-23). Tal como foi através de revelação que o pleno impacto teológico do evangelho chegou a Paulo (ver Gl 1:11,12), assim também é pela resposta da fé que o evangelho irrompe com poder salvador (Hb 4:2)». (The New Bible Dictionary, pág. 484).

Como se usa o termo «evangelho» nas páginas do N.T. É deveras interessante que embora descreva com melhor profundidade as profundezas do evangelho, do que os outros evangelistas, o evangelho de João não contém esse vocábulo. O evangelho de Lucas se utiliza apenas da forma verbal, «evangelizar», em formas gramaticais diversas, por dez vezes. O evangelho de Mateus encerra a forma nominal por quatro vezes, e a forma verbal por uma vez. O evangelho de Marcos estampa a forma nominal por oito vezes, mas nunca usa a forma verbal. O livro de Atos tem a forma nominal por duas vezes, e a forma verbal por quinze vezes. As epístolas de Paulo exibem a forma nominal por sessenta vezes. Esse vocábulo se encontra apenas em outras duas passagens, em todo o resto do N.T., isto é, em I Pe 4:17 e em Ap 14:6. Ao todo, a forma nominal figura por setenta e sete vezes no N.T., dentre as quais ocorrências, sessenta são dos escritos de Paulo. Paulo usa a forma verbal por vinte e quatro vezes. Pode-se perceber com facilidade que o uso que Paulo faz desse termo é tão dominante no N.T. que quase se pode dizer que se trata de um uso caracteristicamente paulino. Sem dúvida alguma foi o apóstolo Paulo quem deu a esse conceito tanto o seu uso mais lato como o seu sentido mais profundo.

«...não me envergonho do evangelho...» Na capital da Grécia, Atenas, ou na capital do império romano, Roma, o evangelho era ridicularizado como produto do fanatismo religioso, não sendo tomado a sério, especialmente no que dizia respeito à sua doutrina da ressurreição. Para os gregos o evangelho representava uma insensatez, enquanto que para os judeus servia de pedra de tropeço, visto que expunha algumas ideias que o antigo judaísmo simplesmente não queria aceitar, sobretudo o conceito do Messias que o apresenta como o «Servo sofredor». (Ver I Co 1:23). Porém, a despeito das ideias dos homens, no Cristo do evangelho residia um poder que Jesus demonstrou amplamente quando de seu ministério terreno, e, supremamente, em sua ressurreição dentre os mortos. As reivindicações apresentadas pelos apóstolos se alicerçavam em seus ministérios miraculosos; e isso significava que o poder do evangelho, na transformação das vidas, existia porque Jesus continuava presente entre eles, por meio do seu Santo Espírito. Portanto, apesar daquela circunstância que agora estava prestes a visitar a sofisticada capital, onde havia a possibilidade da mensagem espiritual de Paulo ser lançada a ridículo, por outro lado ele não sentia pejo, porquanto não cedia a essa provocação, sem importar o lugar onde tivesse de anunciar a mensagem de Cristo. O mesmo poder que havia transformado bárbaros em lugares distantes da capital do império, era o poder que poderia transformar os filósofos gregos e os sofisticados políticos romanos. A suposta novidade do evangelho não diminuía em nada a sua realidade.

«Se voltarmos nossa atenção para as novidades do pensamento, em nosso próprio período de vida, poderemos observar que quase todas as ideias realmente novas se revestem de um certo aspecto de insensatez, quando são apresentadas pela primeira vez». (Alfred North Whitehead).

No dizer de Koppe (in loc.) é como se Paulo tivesse escrito: «Não me envergonharei, nem mesmo em Roma, onde altos dotes literários aparecem em combinação com uma licenciosidade sem freios, e onde, portanto, a doutrina sobre um Salvador crucificado provavelmente nada atrairia senão zombaria, tanto contra ela mesma como contra seus promulgadores. Através desse sentimento, o apóstolo passa suavemente, ‘tamquam aliud agens’, para o assunto que ele queria abordar especificamente, a saber, que é somente por meio de Cristo Jesus que os homens podem ser livrados daqueles castigos por cuja causa tanto os judeus como os gentios, por sua própria culpa, se tinham tornado desprezíveis».

Paulo já havia pregado a Cristo em lugares sofisticados, como em Atenas, Corinto e Éfeso, e sabia como os sábios tinham encarado a sua mensagem. Mas isso não impedira o apóstolo de continuar a falar de Cristo, e esse crucificado, nem criara nele qualquer senso de vergonha por causa dessa atividade, ou por causa de sua mensagem. Ele escreve em Rm 10:11 como segue: «Porquanto a Escritura diz: Todo aquele que nele crê não será confundido». Por conseguinte, o senso de vergonha, no que diz respeito ao evangelho, indica a falta de fé, ou, pelo menos, uma fé muito imperfeitamente formada. Em contraste com essa atitude, o coração que transborda de fé em Jesus Cristo, o qual, por conseguinte, demonstra possuir apreciação e dar valor ao que Cristo significa para todos os remidos, jamais sentirá vergonha no que diz respeito à pregação que anuncia o sangue expiatório de Jesus Cristo.

E Crisóstomo comentou acerca dessa declaração paulina, como se o apóstolo dos gentios houvesse dito: «Também a vós outros, em Roma: pois embora a vossa cidade seja a senhora do mundo, embora os vossos imperadores sejam adorados como divindades presentes, embora vos sintais enlevados pelas vossas pompas, luxos e vitórias, contudo, não me envergonho da origem aparentemente humilde do evangelho, ao qual prego; pois é o poder de Deus». (Homília iii, pág. 444).

«...porque é o poder de Deus para a salvação do judeu e também do grego...» A palavra «primeiro», que aparece entre «salvação» e «do judeu», que figura em algumas traduções, é omitida pelos manuscritos antigos BG e pela versão latina g, e também não aparece na citação de Tertuliano sobre esta passagem. É bem provável que tal palavra não faça parte do texto original, ainda que, naturalmente, ela seja sugerida pelo contexto, sendo amplamente ilustrada no livro de Atos, onde o evangelho sempre foi anunciado primeiramente aos judeus. (Quanto as razões por detrás do fato do evangelho ser pregado, no N.T., primeiramente aos judeus, ver At 13:5). Naturalmente, não temos aqui meramente a questão que o evangelho sempre era pregado primeiro aos judeus, mas também está em pauta a ideia de que Cristo veio primeiramente para os judeus, e que a salvação lhes foi oferecida primeiro do que aos outros, por serem eles o povo escolhido. O Senhor Jesus, antes de ser o Salvador do mundo, era o Messias dos judeus, como, por semelhante modo, a lei e os profetas pertenciam primeiramente a eles. Isso não significa, entretanto, que a mensagem sobre Cristo e seus resultados não atingissem também aos gentios.

O cristianismo não veio a tornar-se uma religião exclusivista, conforme o judaísmo viera a tornar-se, mas antes, proclamava a universalidade da salvação anunciada em Cristo, e gradualmente derrubou as barreiras raciais que pareciam tão importantes e básicas para o judaísmo. (Quanto a profundidade e intensidade do antigo exclusivismo judaico, em seu ódio cru contra os gentios, ver At 10:28. A leitura desses comentários indicará até que ponto o cristianismo primitivo já havia conseguido modificar essa espécie de ideias judaicas. Ver o trecho de Atos 10:25. que versa sobre como os judeus e os gentios, em Cristo, se tornam um único povo - os remidos. Quanto ao fato que «Deus não faz acepção de pessoas», ver At 10:34.

«...o poder de Deus para a salvação...» Grande parte da atividade humana visa obter poder, e, após essa aquisição, o uso do poder. Aqueles que têm poder de autoridade são os governantes, os senhores da sociedade humana. Existem muitas formas de poder, como o poder físico, o poder mental e o poder espiritual. Os homens, de forma geral, não têm vergonha do poder; mas, bem pelo contrário, ufanam-se do mesmo. Um homem fisicamente vigoroso, ao lado de um homem fisicamente débil, não sente vergonha por ser o mais forte; mas antes, sente certo orgulho físico, sem importar se diz isso ou não. Uma nação poderosa, sem importar se esse poder decorre de suas riquezas ou de suas forças armadas, ou mesmo de suas realizações científicas, não se envergonha disso, mas antes, se enche de brios. Nenhuma dessas formas de poder humano, entretanto, pode transformar uma alma segundo a imagem de Cristo, que é o verdadeiro alvo da existência humana, bem como a grande mensagem central do evangelho cristão. Portanto, vendo Paulo que era apóstolo do poder mais extraordinário de todos, o «poder de Deus», que tem origem divina, e não natural, não se envergonhava.

Entre os homens há muitas modalidades de poder; mas o evangelho, em contraste, é o poder de Deus. E devemos observar que esse poder é benigno, não consistindo de mera demonstração de força. Os poderes humanos com frequência tendem para a miséria e a destruição, mas o poder de Deus tende para a vida e o bem-estar espirituais.

O vocábulo aqui traduzido por «...poder...» é o termo grego dunamis, de onde se deriva nossa moderna palavra «dinamite». Nas páginas do N.T. esse vocábulo é usado para designar poderes miraculosos, a manifestação da onipotência de Deus, uma obra poderosa de alguma modalidade qualquer, a energia divina que só pode ser atribuída à divindade, e não aquilo que poderíamos esperar apenas como produto da natureza humana. Por essa razão é que a proclamação do evangelho é um acontecimento que envolve poder. Deus se utiliza da vida, da morte e da ressurreição de Cristo a fim de salvar os homens.

«...salvação...» A ideia básica, envolvida nessa verdade bíblica, é a ideia do livramento. Trata-se do livramento da tirania do pecado e da degradação da natureza humana decaída, juntamente com as diversas manifestações de poder que os homens, em seu estado decaído, não podem realizar. Muito mais está envolvido nessa «salvação», entretanto, conforme já indicamos páginas atrás. (Ver o trecho de Hb 2:3 sobre a «salvação»).

Consideremos Estes Fatos

O poder de Deus opera através da fé, e o resultado obtido é o maior de todas as obras. (Ver sobre a fé em Hb 11:1).

A fé é um dom e uma operação do Espírito, e seu início se dá quando da conversão (ver Jo 3:3), prosseguindo em suas operações diárias (ver Rm 1:17), sendo também uma virtude (ver  Gl 5:22).

Por ser algo divino e operar por meio do evangelho, e por ser uma provisão divina, o seu resultado também é divino, a saber, a vida eterna, em que os homens chegam a participar da própria forma de vida que Deus tem (ver Jo 3:15 e 5:25,26).

Há poder na palavra da cruz (I Co 1:18), porquanto ali Deus exibiu seu plano de salvação, na expiação de Cristo (ver Rm 5:11).

A fé também envolve certo elemento humano, pois todos os homens podem exercê-la, se não quiserem exercê-la propositalmente. É uma provisão da graça de Deus, dada universalmente em Cristo. A eleição também é uma realidade. A salvação é um empreendimento elevado por demais para ser realizado pelo homem, pelo que deve ser obra de Deus. (Ver Ef 1:4).

«‘O poder de Deus’ não consiste apenas do ‘poder divino’... por meio do qual o próprio Deus opera eficazmente, isto é, salvando o pecador mediante o despertamento para o arrependimento, para a fé e para a obediência». (Philip Schaff, no Comentário de Lange, in loc.).

Variante Textual. - As palavras «de Cristo», depois do vocábulo «evangelho», aparecem nos manuscritos D (3) EGLP sendo seguidos pelas traduções KJ, AC, BR e F. Todas as demais traduções usadas para efeito de comparação por este comentário (catorze ao todo, nove em inglês e cinco em português), omitem essas palavras, seguindo aos manuscritos mais antigos, como Aleph, ABCD(l) EG. Essa adição consiste de pequena glosa, feita por algum escriba, com o propósito de explicar melhor a origem do evangelho.

1:17    Parque no evangelho é revelada, de fé em fé, a justiça de Deus, como está escrito: Mas o justo viverá da fé.

Muito se tem dito e escrito sobre a significação da expressão «justiça de Deus». Abaixo damos as principais ideias a respeito:

Essa justiça designaria a natureza intrinsecamente santa de Deus, o seu próprio caráter justo (ver Rm 3:5).

Talvez seja usada no sentido de que Deus vindica a sua justiça, ou seja, torna conhecida qual seja essa justiça.

Todavia essa justiça não é meramente a descrição de um atributo divino, mas também subentende uma espécie de natureza que ele injeta nos remidos. Os homens, uma vez transformados segundo a imagem de Cristo, em sentido bem real e literal participam da santidade de Deus. (Ver Mt 5:48). A passagem de Is 46:13 também contribui para esclarecer esse aspecto, onde lemos: «Faço chegar a minha justiça, e não está longe; a minha salvação não tardará; mas estabelecerei em Sião o livramento e em Israel a minha glória». Isso indica a doação das perfeições morais aos remidos. E é a agência do evangelho que produz essa natureza moral nova nos homens.

A santidade de Deus se desenvolve nos homens por meio da atuação do Espírito Santo, e essa atuação tem prosseguimento até que os remidos atinjam a perfeição absoluta, quando então os crentes serão santos como é santo o seu Pai celestial. Isso pode envolver a eternidade inteira, mas o processo tem início quando do primeiro exercício da fé em Cristo e em seu evangelho, continuando nas experiências da conversão, da santificação, da regeneração e da glorificação. Essa modificação moral produz a modificação metafísica.

Essa justiça de Deus se manifesta por intermédio da fé, porquanto tem início através do princípio da fé, como também tem continuação e é sustentada pela fé, tudo o que é obra do Espírito Santo, que leva a alma humana a depender de Cristo, conforme já pudemos observar nos comentários relativos ao décimo sétimo versículo deste capítulo. Por conseguinte, a justiça de Deus não se torna realidade por meio de alguma disciplina mental, e nem através de qualquer resolução intelectual, e nem mesmo por qualquer cerimônia religiosa. Mas depende exclusivamente da operação do Espírito de Deus. E, quando a alma de um indivíduo é sintonizada com essa operação, passa a exercer fé. Assim, pois, a fé consiste na sintonização da alma com Deus e seu Cristo, uma total entrega da personalidade inteira a Jesus Cristo, a fim de que possa ser operada na alma a elevada obra divina, descrita no presente versículo.

A justiça de Deus no homem, pois, não é apenas uma declaração legal, que afirme que um homem está perfeito em Cristo; antes, é a produção real dessa retidão no indivíduo. Pois estar perfeito em Cristo é a mesma coisa que ter sido feito com Cristo. E é a esse aspecto de nossa salvação que denominamos de «santificação»,

O adjetivo grego «dikaios» (reto, justo), vem da mesma raiz que deu a palavra «...justiça...», que aparece no presente versículo; e isso ilustra o sentido dessa palavra, a. Esse adjetivo é usado com relação a Deus e a Jesus Cristo. Com relação a Deus: I Jo 1:9; Jo 17:25; Ap 16:5 e Rm 3:26. Com relação a Cristo: I Jo 2:1; 3:7; At 3:14; 7:52 e 22:14. No presente versículo esse vocábulo indica a norma eterna da santidade divina, b. Esse adjetivo, «justo», também é usado com referência aos homens, não meramente para denotar um caráter reto, mas também dando a entender alguma forma de atribuição ou participação na própria santidade essencial de Deus. O termo «justiça» é utilizado como algo possível para a personalidade humana, na passagem de Rm 6:13,16,18,20. Nesse trecho, o contexto mostra-nos que essa justiça decorre de nossa união espiritual com Cristo, na forma de um batismo espiritual, que é a identificação dos crentes com a morte e a ressurreição de Jesus Cristo, em condições místicas. Em outras palavras, os benefícios da morte de Cristo—morte para o pecado, desvencilhamento completo do poder e efeito do reino das trevas—e os benefícios de sua ressurreição, são produzidos por uma forma de contato real com o Espírito Santo.

Portanto, por justiça devemos compreender o que é feito tanto na justificação como na santificação, os resultados dessas medidas divinas, operados na alma do crente. A forma verbal de «justificar», no grego, é «dikaioo», o que, nas páginas do N.T., pode algumas vezes significar alguma forma de pronunciamento judicial acerca dos direitos que um homem tem de ficar diante de Deus, em Cristo Jesus. Todavia, perderemos inteiramente de vista a ideia da justificação se ignorarmos o fato de que isso também significa fazer justo, não se resumindo a uma mera declaração sobre aquela retidão que decorre da posição correta do crente, diante de Deus, em Cristo.

Por meio da justificação, o indivíduo recebe o «dom da justiça». E é a pessoa que recebe esse dom que reina em Cristo, conforme aprendemos em Rm 5:17. Assim sendo, a justificação não consiste em uma simples declaração estéril que reconhece a legitima posição de alguém em Cristo, mas antes, requer que tal indivíduo se torne verdadeiramente justo. Essa verdade não tem sido vista com muita clareza pela igreja cristã moderna, ainda que, felizmente, aquilo que aqui é comentado sobre a justificação, é transferido para a doutrina da santificação, segundo a maioria dos sistemas teológicos.

«A retidão absoluta, tal como a graça e verdade absolutas, revelou-se pela primeira vez no cristianismo. Trata-se daquela justiça que não somente instaura a lei da letra, e requer a retidão da parte dos homens, e que, em seu caráter de juiz, profere a sentença e mata; mas é igualmente aquilo que finalmente se manifesta na união com o amor, ou seja, a graça divina em forma de retidão, produzindo essa retidão no homem... ou ainda, em suma: A justiça de Deus é a auto comunicação da retidão que procede da parte de Deus, que se torna justiça pessoal na pessoa de Cristo, o qual, em seus sofrimentos, como nossa propiciação, satisfez a justiça da lei (em consonância com as exigências da consciência), e que, mediante o ato da justificação, aplica ao crente, para santificação de sua vida, os méritos da expiação de Cristo». (Lange, in loc.).

«...de fé em fé...» Ver o ponto (IV), acima, que comenta sobre essa frase. (Ver as notas expositivas sobre a «fé», no décimo sexto versículo deste capitulo e em Hb 1:1). Diversas explanações têm sido dadas acerca dessa expressão bíblica, a saber:

Orígenes pensava que isso significa da fé do A.T. para a fé do N.T. Embora não seja esse o sentido central dessas palavras, tal posição contém certa dose de verdade. Pois, na passagem do Antigo para o Novo Testamento houve uma progressão na fé.

Uma modificação dessa ideia é a de Tertuliano, que pensava em uma graduação da «fé legal» para a «fé evangélica».

 Lutero supôs que seria uma passagem da fé fraca para a fé forte. Apesar de ser verdade que isso concorda com a experiência humana, não é isso que está em foco nesta passagem.

Alguns estudiosos têm pensado que seria a graduação da fé como convicção para a fé como sentimento.

Porém, é muito melhor compararmos este versículo com o trecho de Hb 12:2, que diz: «...o Autor e Consumador da fé, Jesus...» Essa expressão, portanto, significa que o crente dá início a essa carreira justa mediante a fé, que a fé é o elemento provocador dessa partida, fazendo parte integrante da conversão, como passo inicial da regeneração, por ser obra do Espírito Santo. É de conformidade com esse mesmo princípio de fé que o crente continua, pois a fé é o agente do desenvolvimento espiritual, criado e mantido pela permanência do Espírito Santo na alma, ensinando-a a depender e a continuar dependendo de Cristo, no tocante à sua vida espiritual. É provável que essa expressão também subentenda haver diversos graus de fé, mas não é essa a sua ideia central. Antes, a vida espiritual, do principio ao fim, é uma vida de fé.

As palavras «...O justo viverá por fé...» formam uma citação extraída do trecho de Hc 2:4, aparecendo também em Gl 3:11 e Hb 10:38, o que faz delas uma norma ou conceito cristão básico. Nas páginas do A.T. essa ideia não aparece relacionada ao conceito da salvação eterna, mas está vinculada à invasão iminente de Israel pelas tropas babilônicas. Embora aquelas hordas terríveis do exército caldeu hajam de avassalar o território de Israel, espalhando a destruição e a miséria, o homem de Deus, o «...justo...», devido à sua fé em Deus, será sustentado em meio a toda essa agonia predita.

Essa confiança intensa em Deus, que protege e sustenta o crente sob tribulações sérias, é utilizada pelo apóstolo Paulo para aludir à fé evangélica em Jesus Cristo, num conceito mais elevado por estar essa fé vinculada à salvação eterna, bem como àquela vida de fé que conduz à mesma, a qual, na realidade, é uma participação preliminar na vida espiritual.

A fé não é nem a causa eficiente e nem a base objetiva da justificação, e, sim, a causa instrumental e a condição subjetiva, da mesma forma que o alimentar-se é a condição para a nutrição. Tal como o poder alimentício se encontra no alimento, o qual, entretanto, deve ser recebido e digerido, antes que possa ter qualquer utilidade, assim também, o poder salvador se encontra na pessoa e na obra de Jesus Cristo, mas se torna disponível para o indivíduo, tornando-se possessão dele, mediante o órgão apropriador da fé. Essa apropriação e assimilação, entretanto, devem ser continuamente renovadas; e é por essa razão que as Escrituras dizem que «O justo viverá de fé em fé». A vida na direção da qual o crente é dirigido pela fé, é a sua vida eterna.

«A fé em Cristo, a confiança na graça de Deus, em Cristo, é o começo da nossa salvação, e permanecerá como seu instrumento até o fim. Por conseguinte, a fé sempre terá de permanecer e de desenvolver-se, e assim nos cumpre crescer de fé em fé, de um grau de luz e poder para outro». (Spencer in loc.).

Paulo lança aqui os alicerces para a negação que a vida e a salvação podem ser adquiridas mediante princípios legalistas. Pelo contrário, a transmissão da vida divina é aqui contemplada.

Bibliografia R. N. Champlin



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