Lição 09
26 de Agosto de 2012
Jesus, o advogado fiel
Texto Áureo
“Meus filhinhos, estas coisas vos escrevo para que não pequeis; e, se alguém pecar, temos um Advogado para com o Pai, Jesus Cristo, o Justo”. 1 Jo 2.1
Verdade Aplicada
A história da mulher pecadora é uma história que condena a história de juízos temerários.
Objetivos da Lição
► Esclarecer que todo o ministério educador e evangelístico lidará com questões sociais difíceis de resolver-se;
► Mostrar que é nossa missão não pronunciar juízo de valor sobre as pessoas, mas erguê-las de sua situação pecaminosa;
► Não é apenas importante a pessoa escapar das consequências de seus erros, é necessário frisar que elas precisam abandonar definitivamente o pecado.
Textos de Referência
Jo 8.1 Porém Jesus foi para o monte das Oliveiras.
Jo 8.2 E, pela manhã cedo, voltou para o templo, e todo o povo vinha ter com ele, e, assentando-se, os ensinava.
Jo 8.3 E os escribas e fariseus trouxeram-lhe uma mulher apanhada em adultério.
Jo 8.4 E, pondo-a no meio, disseram-lhe: Mestre, esta mulher foi apanhada, no próprio ato, adulterando,
Jo 8.5 e, na lei, nos mandou Moisés que as tais sejam apedrejadas. Tu, pois, que dizes?
Jesus e a mulher adúltera Jo 7:53-8:11.
Jesus e a mulher apanhada em flagrante adultério. Esta passagem encerra uma das mais notáveis variantes textuais de todo o N.T., especialmente em face do fato que concerne uma narrativa ou seção inteira e não meramente um versículo ou parte de um versículo, como usualmente sucede. As evidências dadas pelos manuscritos e por outros meios, contra e a favor da autenticidade desta parte, são as seguintes:
Esta seção é retida nos mss DFGHKU, Gamma e muitos manuscritos cursivos de origem posterior, sendo seguidos pelas traduções AC, F, KJ, PH e M, sem qualquer sinal de dúvida quanto à sua autenticidade. Já os mss EMS, Lambda e Fam Pi assinalam a passagem como de autenticidade duvidosa. Os mss P(66), P(75), Aleph, BL NTWX, Delta, Theta, Psi, 33, 157, 892, 1241 e Fam 1424, além das versões Si, Sah, algumas versões Boh, a versão Arm e a Gót, além dos pais da igreja Clemente, Irineu, Origenes, Tertuliano, Cipriano e Nonato, omitem o trecho em sua inteireza. E todas as traduções, usadas para efeito de comparação neste comentário (catorze ao todo), excetuando aquelas nove traduções alistadas acima, põem esta seção entre colchetes, ou então, mediante uma nota de rodapé, mostram que a passagem é de autenticidade duvidosa.
Em outros manuscritos, esta narrativa aparece em lugares diferentes do que vemos aqui. A Fam 13 coloca-a depois do trecho de Lc 21:38. A Fam L põe-na no final do evangelho de João. O ms 225 situa-a após Jo 7:36. Tudo isso serve para mostrar-nos que a localização exata deste relato não teve lugar definitivo durante muitos séculos.
Essa narrativa, outrossim, não faz parte de qualquer manuscrito grego, senão já no século V de nossa era, com o códex D. Nenhum dos pais da igreja se refere ao episódio durante os primeiros onze séculos depois de Cristo. A evidência textual avassaladora (incluindo o testemunho de todos os papiros que possuímos deste quarto evangelho, que são os representantes mais antigos de que dispomos do evangelho de João), bem como o testemunho dos pais da igreja cristã, e que essa narrativa não passa de um exemplar de tradição flutuante, que subsequentemente foi aninhada em diversos lugares, dentro dos evangelhos. Os manuscritos posteriores, que contêm essa história, por sua vez, dão bom número de variedades sobre a narrativa.
Alguns eruditos acreditam que embora a história não faça parte original do registro dos evangelhos, não obstante é um incidente autêntico da vida de Jesus Cristo, tendo sido preservado no conhecimento de alguns segmentos da igreja cristã, até que finalmente escribas posteriores encaixaram-na em um dos evangelhos - Lucas ou João. Se essa crença expressa a verdade, então essa narrativa seria uma daquelas muitas outras coisas que Jesus disse e fez, mas que não foram originalmente registradas no evangelho de João. (Ver Jo 21:25). Seria extremamente difícil a alguém provar se essa narrativa tem ou não bases históricas na vida terrena de Cristo, embora ela respire o hálito do Espírito de Cristo.
«A seção que se segue (João 7:53-8:11) é uma das mais notáveis ocorrências de uma indubitável adição ao texto original das narrativas dos evangelhos. Encontraremos razões para crer que ela pertence à época apostólica, e que preservou para nós o registro de um incidente na vida de nosso Senhor, embora não tenha chegado até nós através da pena do apóstolo João». (Ellicott, in loc.).
PORÉM, embora esta seção não faça parte dos evangelhos originais, podemos estar gratos pela sua preservação, porquanto ilustra admiravelmente bem diversas coisas que precisamos compreender. Vemos nela o espirito empedernido dos fariseus para com uma miserável criatura humana, apanhada em um ato de pecado; vemos a brutalidade deles, ao arrastarem-na até diante de Jesus; vemos a total ausência de misericórdia da parte deles, e o seu pretencioso orgulho; vemos a sutileza com a qual pretendiam apanhar Jesus em uma armadilha, se porventura ele viesse a declarar algo que pudesse ser usado contra ele mesmo, porquanto sabiam que de algum modo Jesus haveria de querer salvar a mulher da morte por apedrejamento. Observamos todas essas características nos indivíduos que se deixam dominar por preconceitos religiosos e disso tudo podemos aprender uma preciosa lição.
Assim preferimos ser semelhantes ao Senhor Jesus, que demonstrou compaixão, que não se exaltou altivamente, mas que mostrou simpatia para com uma criatura humana em grande aperto, uma escrava das paixões humanas. Da parte de Jesus aprendemos, por semelhante modo, que a lei deve ser interpretada espiritualmente, porquanto para Jesus importava muito mais que a mulher se arrependesse e fosse espiritualmente restaurada do que fosse cumprida a austera tradição transmitida por Moisés, que requeria a morte cruel por apedrejamento.
Ora, esse princípio podemos aplicar a todos os aspectos da lei, porque a própria lei não tinha por intenção destruir, e, sim, apontar para o homem a grande necessidade de redenção, o que deve basear-se em princípios mais elevados do que a mera atitude de vingança. O próprio Jesus consubstanciou esse espírito mais elevado em sua vida e novamente demonstrou o grande valor de uma alma, à vista de Deus.
É realmente de estranhar que esta narrativa raramente tenha sido considerada como fonte orientadora de julgamento e ação, nos casos de disciplina eclesiástica. Quão frequentemente se ouve falar de histórias em que algum membro de uma igreja evangélica qualquer, errado em suas ações, mas agora impotente, tenha sido tratado como os fariseus trataram da mulher desta história, tendo sido expulso da igreja, alienado para sempre dos seus membros; e quão raramente alguém, com a mesma atitude de Jesus, se tem adiantado, não em apoio a tal atitude, mas a fim de inserir no julgamento a suave medida da misericórdia, tão necessária em tantos casos dessa natureza. Quão raramente alguém, dotado da mesma atitude do Senhor Jesus, se tem apresentado, a fim de restaurar, mediante meios inteligentes, ao invés de procurar destruir aos outros, mediante princípios supostamente justos, mas que só se alicerçam nos preconceitos humanos inflexíveis.
A evidência em prol da origem não-joanina da perícope sobre a adúltera é esmagadora. Está ausente de manuscritos antigos e diversos como p6675 KBLNTWXYΔψ 053 0141 0211 22 33 124 157 209 565 788 828 1230 1241 1242 1253 2193al. Os códices A e C são defeituosos nesse ponto, mas é altamente provável que nenhum deles contivesse a perícope, pois uma medição cuidadosa mostra que não sobraria espaço suficiente, nas folhas perdidas, para incluir a seção, juntamente com o resto do texto. No Oriente, a passagem está ausente da forma mais antiga da versão siríaca (sir (c,s) e os melhores manuscritos do sir (p)), bem como das versões saldica e subacmímica e dos mais antigos manuscritos boáricos. Alguns manuscritos armênios (2) e a antiga versão geórgica (3) a omitem. No Ocidente, o trecho está ausente da versão gótica e de diversos manuscritos em Latim Antigo (it (a,l*), q). Nenhum pai da igreja grega, antes de Eutímio Zigabeno (século XII D.C.) comenta sobre a passagem; e Eutímio declara que as cópias exatas do evangelho não a contêm.
Quando alguém adiciona a essa impressionante e diversificada lista de evidência externa a consideração que o estilo e o vocabulário da perícope difere notavelmente do resto do quarto evangelho (ver qualquer comentário crítico), e que interrompe a sequência de 7:52 e 8:12 ss., o caso contra a autoria joanina dessa perícope parece conclusivo.
Ao mesmo tempo, a narrativa tem todos os sinais de ser historicamente veraz. Obviamente é uma peça da Tradição oral que circulava em certas porções da igreja ocidental, e que, subsequentemente, foi incorporada em vários manuscritos, em diversos lugares. A maioria dos copistas evidentemente pensou que interromperia menos a narrativa de João se fosse inserida após 7:52 (D E (F) G H K M U T II 28 700 892 al). Outros situaram-na após 7:36 (ms 225), ou após 7:44 (vários mss geórgicos) (4), ou após 21:25 (1 565 1076 1570 1582 ara (mss)), ou após Lc 21:38 (f (13)). Mui significativamente, em muitos dos testemunhos que contêm a passagem, ela é marcada com asteriscos e obeli, indicando que, embora escribas incluíssem a narrativa, tinham consciência de que lhe faltavam credenciais.
Algumas vezes é dito que a perícope foi deliberadamente retirada do quarto evangelho, porque podia ser entendida a narrativa como uma espécie de indulgência para com o adultério. Mas, à parte da ausência de qualquer instância, em qualquer lugar, de excisão escribal de alguma passagem tão extensa, devida a prudência moral, essa teoria «não consegue explicar porque os três versículos preliminares (7:53 - 8:1,2), tão importantes e que aparentemente descrevem o tempo e o lugar onde os discursos do capítulo oitavo foram proferidos, teriam sido omitidos juntamente com o resto» (Hort, Notes on Select Readings, págs. 86 s.).
Embora a comissão se tenha mostrado unânime de que a perícope não fazia parte original do quarto evangelho, em deferência à patente antiguidade da passagem, a maioria decidiu imprimi-la, dentro de colchetes duplos, em seu lugar tradicional, ou seja, após João 7:52.
Já que o trecho está ausente dos mais antigos e melhores manuscritos, que normalmente servem para identificar os tipos de texto, nem sempre é fácil tomar uma decisão entre formas alternativas. Seja como for, deve-se compreender que os níveis de certeza ({A}, {B}) estão dentro do arcabouço da decisão inicial relativa à passagem inteira.
7:53 E cada um foi para sua casa
8:1 Mas Jesus foi para o Monte das Oliveiras. (7:53 - 8:1)
Este é um daqueles casos, bastante numerosos, em que a divisão do texto sagrado por capítulos foi feita erroneamente, porquanto as duas declarações acima citadas se completam entre si, não devendo aparecer divididas em nossas Bíblias. Pela natureza dessas declarações, concluímos que alguma discussão entre Jesus e as autoridades religiosas, ou entre Jesus e o povo, antecedera esta narrativa, e que pouco depois cada qual partiu para sua própria moradia. Mas, fazendo contraste com seus opositores, Jesus se retirou para passar a noite ao ar livre. Supomos que o motivo de Cristo, pelo menos parcial, era que ele desejava entregar-se ao exercício da oração, o que provavelmente ocorreu no jardim do Getsêmani ou na aldeia de Betânia. Durante seu último período de residência em Jerusalém, esse método de passar a noite dedicado à oração parece ter sido uma regra fixa. (Ver Lc 21:27).
O monte das Oliveiras é uma pequena serra montanhosa, que incorpora quatro picos, o mais elevado dos quais fica a oitocentos e trinta metros acima do nível do mar, dando frente para Jerusalém e para o monte onde foi edificado o templo, para os lados do oriente, do outro lado do vale do Cedrom e do tanque de Siloé. Nos dias de Jesus, o monte das Oliveiras era um lugar onde havia bosques, rico em oliveiras; e essa circunstância é que lhe deu o nome. Porém, quando do cerco das tropas comandadas pelo general Tito, foi desnudado de todas as suas árvores. Um templo cristão foi erigido em seu sopé, para assinalar o local onde Jesus costumava andar para ter comunhão com Deus, embora não possamos ter certeza sobre a posição exata por ele escolhida no monte.
Nos tempos da antiga dispensação, o monte das Oliveiras foi palco das idolatrias de Salomão, sendo o lugar onde foram levantados altares a Quemos e Moloque, divindades celestiais pagãs, o que provavelmente fez com que um de seus picos recebesse o apodo de monte do Escândalo.
Muitas tradições têm sido associadas ao monte das Oliveiras, paralelamente a narrativas que evidentemente são lendárias. De acordo com uma dessas lendas, a pomba enviada da arca, por Noé, teria apanhado a folha de parreira do monte das Oliveiras. (Ver Gn 8:11; Gênesis Rabbah, XXX11I.6). Também era crido que quando o esplendor da presença de Deus (no hebraico, shekinah) partiu do templo de Jerusalém, devido ao pecado dos judeus, perdurou por três anos e meio sobre o monte das Oliveiras, aguardando que o povo se arrependesse.
Perto do sopé do monte das Oliveiras existem algumas oliveiras de idade impressionante, que alguns pensam terem sido vistas pelo próprio Jesus. Todavia, não se tem podido demonstrar que tais árvores sejam tão seculares a ponto de terem vivido desde os dias do Senhor Jesus à face da terra. Essa é a área do jardim do Getsêmani, ainda que o local exato não possa ser determinado com precisão. A meio caminho, colina acima, foi erguida a igreja de Dominus Flevit, assim denominada a fim de indicar as lágrimas de Jesus, quando ele se lamentava por Jerusalém; mas a mesma é de localização duvidosa. Diversas igrejas cristãs têm sido erigidas com o intuito de marcar o local da ascensão de Jesus; mas o evangelho de Lucas favorece a localidade de Betânia como a área da verdadeira cena da ascensão. Todos quantos visitam a Palestina ficam convencidos da futilidade de ponderar sobre reivindicações tão contraditórias, e consideram insolúveis esses problemas de localização.
A profecia bíblica revela-nos que Jesus Cristo fará dividir-se o monte das Oliveiras, em duas porções, quando puser seus pés sobre o mesmo, ao voltar gloriosamente a este mundo. (Ver Zc 14:4).
8:2 Pela manhã cedo voltou ao templo, e todo o povo vinha ter com ele; e Jesus, sentando-se, o ensinava.
Algumas traduções dizem «cedo pela manhã», mas a designação exata muito provavelmente é como diz na AA, «de madrugada».
«...o povo ia... e Jesus ensinava...» No original grego temos dois verbos no tempo imperfeito, o que indica ações contínuas. O povo ia e vinha; e Jesus, segundo era seu costume, procurava aproveitar a oportunidade para instruí-los, salientando novamente a grande importância do ministério de ensino, o que, mui infelizmente, na moderna igreja cristã, é tão fraco. Devemos lembrar que a própria Grande Comissão, segundo se acha registrada no trecho de Mt 28:19,20, frisa o ministério de ensino, porquanto a conversão dos homens, por si só, não é bastante. O grande plano do evangelho consiste em conduzir os homens à conformidade com a imagem de Cristo, e isso é efetuado através da influência gradual do Espirito Santo. Ora, essa influência é auxiliada pelo doutrinamento gradual dos remidos, mediante os preceitos das Escrituras. Aqueles que dão importância exclusivamente ao evangelismo, fariam bem em considerar esses fatos. De fato, a vida inteira é uma escola, e precisamos estar sempre atarefados, aprendendo e dando lições nessa escola, não imaginando jamais que tudo de quanto um crente precisa é de uma conversão instantânea, posto que a experiência cristã consiste em muito mais do que isso.
8:3 Então os escribas e fariseus trouxeram-lhe uma mulher apanhada em adultério; e pondo-a no meio.
Os empedernidos fariseus são vistos novamente aqui em ação. Trouxeram a mulher a Cristo, violentamente, e a desgraçam diante de todos quantos ouviam as instruções dadas por ele. Os fariseus sabiam muito da lei, pelo menos intelectualmente, conhecendo de memória todos os seus preceitos; mas desconheciam totalmente os seus princípios misericordiosos. Tinham pouco ou nenhum respeito pelos sentimentos alheios e davam ínfimo valor a uma alma. A força motivadora deles não era exatamente o zelo pela lei e, sim, certa sutileza com a qual embalavam a esperança de apanhar o Senhor Jesus em uma armadilha, ou em flagrante, fazendo a mulher ser executada, ou libertando-a contrariamente à lei de Moisés—em qualquer dessas alternativas, a atitude de Jesus seria usada como arma contra ele.
Que o adultério era pecado extremamente prevalente, nos dias de Jesus, é algo confirmado por diversos escritores rabínicos. A Mishnah Sota, cap. 9 e seção 15, diz: «Quando o Messias vier, ou na época do Filho de Davi, a imprudência se multiplicará, o trigo e o vinho encarecerão, o governo será de hereges e a sinagoga será transformada em um lupanar». Esses mesmos escritos com frequência falam da multiplicação prodigiosa de adultérios, o que obrigou Jochanan ben Zaccai e o sinédrio a descontinuarem o emprego das águas amargosas. Adam Clarke diz (in loc.) o seguinte: «Admite-se que o adultério se tornou excessivamente comum naquela época, tão comum que deixaram de pôr em vigor a lei contra o mesmo. As águas do ciúme não eram mais bebidas e os culpados, ou mesmo aqueles meramente suspeitos desse crime, se tornaram extremamente numerosos; os homens, que se tinham tornado pessoalmente culpados, não ousavam pôr suas mulheres à prova, porquanto se cria que essas águas já não surtiriam efeito contra as esposas, já que os seus esposos também se tinham tornado criminosos.
Diversas lendas circundam a identificação e a história subsequente dessa mulher apanhada em adultério. Dentre os anais dos judeus espanhóis chega-nos a informação de que o nome dela era Susana e que era esposa de certo Manasses, de Jerusalém. (Ver Selden. Uxor Heb. 1.3, c.11., pág. 377). Mas outras tradições asseveram que ela se tornou uma santa de Deus, na Espanha, até onde seguiu o apóstolo Tiago. Tais histórias, com toda a probabilidade, são lendárias.
8:4 disseram-lhe: Mestre, esta mulher foi apanhada em flagrante adultério.
A acusação de adultério só se tornava legal quando confirmada por pelo menos duas testemunhas (ver Dt 19:15), embora no caso de um marido que suspeitasse de sua mulher, fosse suficiente o seu testemunho. (Maimonides, Hilchot Eduth, cap. 5, seção 2).
Literalmente, o grego diz aqui «apanhada no ato de furto», com base nos vocábulos autos (ela mesma) e phor (ladrão). Isso se tornou uma expressão idiomática para ser apanhado em qualquer modalidade de crime, ainda que diversos comentários pensem que esse tipo de termo vem bem a calhar, posto que o adultério é reputado uma espécie de furto da propriedade de outrem; e a natureza agravada do adultério (um ato entre pessoas casadas), em contraste com a simples fornicação (em contraste com pessoas solteiras) é o fato que representa uma forma de desrespeito pela possessão alheia.
Alguns estudiosos supõem que a conexão desse incidente com a narrativa da festa dos Tabernáculos é autêntica, e que essa festa, sendo ocasião de intenso júbilo, quando muito vinho era consumido por grande número de pessoas, quando geralmente as pessoas perdiam certo controle ordinário, abandonando-se ao acaso, tenha sido a ocasião desse ato de adultério. Isso teria sido cometido em alguma das tendas, sem grandes precauções, e naturalmente correu o risco de ser descoberto a qualquer momento, pelas duas ou mais testemunhas necessárias para que houvesse a condenação.
8:5 Ora, Moisés nos ordena na lei que as tais sejam apedrejadas. Tu, pois, que dizes?
A lei referente ao adultério era realmente muito severa, porquanto, de acordo com as passagens de Lv 20:10 e Dt 22:22, nesse caso ambos os indivíduos envolvidos no caso deveriam ser condenados à morte. Ora, o trecho de Dt 22:23,24 especifica a morte por apedrejamento para o caso especial de adultério em que a mulher fosse virgem, comprometida com outro homem. É bem provável, no entanto, que em tempos posteriores a morte para os adúlteros consistia ordinariamente na execução por apedrejamento (ver Ez 16:40), a despeito das circunstâncias. Contudo, a literatura rabínica mostra que a morte por sufocação era igualmente empregada. (Ver Sanhedrin, fol. 51:2, e Mishnah San. cap. 10, seção 1). Também é verdade que ao ser mencionada a pena de morte, na literatura judaica, sem qualquer especificação acerca do método empregado na execução da mesma, que ordinariamente está em foco a morte por estrangulamento. Se alguma jovem, filha de um sacerdote, viesse a tornar-se prostituta, deveria ser queimada viva (ver Lv 21:9). E parece, à base do trecho de Ez 16:38,40, que as adúlteras, nos seus tempos, eram ou apedrejadas ou traspassadas com uma espada.
É quase desnecessário dizer que tais medidas foram inteiramente eliminadas nas sociedades modernas, provavelmente por motivo da influência suavizadora do cristianismo, o qual, apesar de continuar condenando qualquer ato pecaminoso, interessa-se muito mais pela restauração do indivíduo, o que se reflete por um respeito muito mais profundo e por um interesse muito maior pela pessoa, a despeito da presença de graves pecados. Jesus veio a fim de ser o Salvador da humanidade, e todos os homens, por uma razão ou por outra, são culpados diante do tribunal de Deus, e, na realidade, a maioria dos homens justamente por esse motivo de adultério.
8:6 Isto diziam eles, tentando-o, para terem de que o acusar. Jesus, porém, inclinando-se, começou a escrever no chão com o dedo.
Não eram aqueles acusadores verdadeiros defensores da pureza da lei mosaica e, na realidade, pouco se importavam com o que sucedesse àquela pobre mulher. O que os impulsionava era o ódio que tinham votado em seus corações contra o Senhor Jesus, tendo resolvido que por qualquer meio que pudessem, haveriam de livrar-se dele, embora sempre se tivesse mostrado verdadeiramente puro, e contra quem nenhuma acusação verdadeira pudesse ser lançada. O fato é que Jesus tinha absorvido os aplausos que as multidões antes davam a ele, e agora ele era uma ameaça para o poder político e religioso que até ali vinham mantendo nas mãos, posto que ele ensinava aos homens uma doutrina pura, de maneira totalmente maravilhosa, a ponto de não poderem ficar na presença dele, entre os homens. Aquelas autoridades religiosas, portanto, traçaram planos elaborados para assassinarem a Jesus; e se agarravam agora à ocasião propiciada pelo caso da mulher apanhada em adultério, esperando que ele caísse em algum equívoco, a fim de que pudessem acusá-lo falsamente e levá-lo a juízo.
Mui provavelmente pretendiam assacar contra Jesus uma ou outra das seguintes duas acusações, dependendo da reação dele ante a sugestão que faziam de que a mulher fosse apedrejada: 1. Se ele ordenasse que o apedrejamento fosse executado, eles poderiam acusá-lo, ante as autoridades romanas, de incitar ilegalmente a outros de matarem a mulher; e isso seria uma acusação que os romanos levariam em conta, embora pouco lhes importasse como a mulher se comportasse sexualmente. 2. Se, por outro lado, ele não permitisse a morte da mulher, ele seria visto como alguém que dava licença a um crime hediondo, segundo a interpretação judaica, e assim ficaria desacreditado, primeiramente ante todas as autoridades, e, em segundo lugar (o que mais importava para aqueles acusadores) ante todo o povo. Não obstante, Jesus preferiu ignorar as indagações deles e baixou-se a fim de escrever. Diversas interpretações têm sido dadas a essa ação:
1. Jesus ignorou os acusadores, considerando-os por demais maliciosos para merecerem resposta.
2. Jesus teria agido assim por ter ficado embaraçado por causa da mulher.
3. Jesus agiu assim porque esperava que a pausa momentânea criasse nos homens alguma consciência, para que viessem a reconhecer a maldade de seus desígnios e intenções.
4. Jesus teria escrito acusações contra aqueles acusadores da mulher.
5. O próprio Jesus não afirmava ser intérprete da lei, à semelhança deles, não se encontrando na posição de ordenar qualquer forma de pena de morte; e por isso teria adiado a resposta à pergunta que faziam. Não obstante, as reivindicações de Jesus, de que ele era o Messias, segundo a opinião daqueles acusadores, sem dúvida o forçariam a fazer alguma espécie de pronunciamento, ainda que não estivessem realmente interessados em ouvir o que ele tinha a opinar, exceto como um meio para criarem um caso contra ele.
6. Alguns comentadores acreditam que há boas evidências que mostram que, no oriente, alguma forma de desinteresse, segundo Jesus exibiu aqui, tinha por intenção mostrar que ele rejeitava o ofício de juiz, que desejavam impor a ele.
Sabemos que aqueles homens forçaram sobre Jesus um caso injusto, calculado tão-somente a propiciar caminho para acusarem-no falsamente; em réplica, Jesus impôs a eles um solene silêncio. Pelo menos podem asseverar com segurança que esse silêncio foi uma espécie de protesto contra a ação que as autoridades religiosas estavam tecendo; mas nada podemos adiantar sobre o que Jesus teria escrito no chão. A sexta interpretação parece ser a mais próxima do que deve ter sido a intenção do Senhor Jesus.
Quesnel (in loc.), citado por Adam Clarke, diz: «Posto que Jesus Cristo jamais escreveu algo, exceto essa vez, em toda a sua vida, segundo sabemos pelas Escrituras Sagradas; posto que ele escreveu tão-somente no chão; posto que ele assim agiu tão-somente com a finalidade de livrar uma pecadora; posto que ele não teria escrito aquilo que eles já sabiam, que os homens aprendem disso jamais escreverem, senão quando isso for necessário ou útil, fazendo-o com humildade e modéstia, e norteados pelo princípio do amor. Quão imensamente Cristo difere dos homens! Ele escreveu os seus pensamentos divinos no pó, mas eles desejam que os seus pensamentos fiquem gravados no mármore ou gravados no bronze».
8:7 Mas, como insistissem em perguntar-lhe, ergueu-se e disse-lhes: Aquele dentre vós que está sem pecado seja o primeiro que lhe atire uma pedra.
Jesus se refere aqui ao princípio estabelecido no trecho de Dt 17:7, que estipula: «A mão das testemunhas será a primeira contra ele, para matá-lo; e depois a mão de todo o povo; assim eliminarás o mal do meio de ti». Esse princípio é elaborado na Mishnah (Sanhedrin 6:4), e, sendo parte bem conhecida da literatura rabínica, sem dúvida era estipulação conhecida por aqueles homens.
Porém, Jesus acrescentou a esse fato a exigência de que as testemunhas teriam de ser inocentes, deixando entendido que a culpa das testemunhas as desqualificava do direito de lançarem uma pedra sequer contra a mulher. Alguns estudiosos pensam, neste ponto, que tais acusadores também se tinham tornado culpados do mesmo pecado (ou de pecados pertencentes a essa mesma categoria), cometido numa ou noutra ocasião; mas acerca disso não podemos ter certeza alguma. Pelo menos a consciência deles reagiu o suficiente para que despertassem para os seus próprios pecados. Assim, imediatamente desistiram de suas perversas intenções, reconhecendo, nas palavras de Jesus, um poder espiritual e uma lógica que transcendia totalmente às rigorosas exigências da lei de Moisés. Poderíamos mesmo asseverar, por conseguinte, que Jesus proferiu aqui uma lei superior à lei mosaica e exerceu o efeito de tornar a lei mosaica sobre o adultério mais humana, o que tem sido alegremente seguido pela maioria das sociedades modernas. Em outras palavras, as aplicações misericordiosas das palavras de Jesus têm sido seguidas; e sabemos que a lei precisa incorporar em si mesma tanto a misericórdia como o bom senso, elementos esses que vão sendo paulatinamente injetados nos sistemas legais. Por isso é que os modernos sistemas legais vão sendo modificados, tornando-se mais razoáveis e menos rigorosos do que a lei de Moisés em suas exigências. Até mesmo na moderna sociedade judaica os rigores da lei de Moisés não vêm sendo brutalmente aplicados.
Podemos verificar, portanto, que dessa simples declaração de Jesus, a qual certamente é bem conhecida e largamente aplicada, tem vindo a lume uma lei mais humana, ao mesmo tempo mais realista e aplicável.
Ordinariamente, o método judaico de apedrejamento era levado a efeito pondo-se o culpado, meio despido e de mãos atadas atrás das costas, sobre um tablado a três ou quatro metros de altura. As testemunhas contra o culpado, em seguida, aplicavam-lhe violento empurrão, e assim, na própria queda, a vítima era morta. Ou então uma grande pedra era lançada contra o condenado, a fim de esmagá-lo. Essa maneira de proceder, no entanto, nem sempre era observada; seja como for, porém, conforme podemos facilmente perceber, havia grande brutalidade no ato; e a lei superior, ensinada por Jesus, em sua aplicação, removeu tão grande brutalidade.
Muita discussão tem girado em torno do sentido das palavras «...sem pecado...», neste caso: 1. Absolutamente impecável; 2. No que dizia respeito a pecados da mesma natureza que o pecado da mulher acusada; 3. No que dizia respeito a outros pecados, de igual ou quase igual gravidade. Nenhuma dessas três possibilidades é impossível, porquanto isso indicaria que nenhum homem pode ser sempre juiz das coisas e das pessoas. A segunda e a terceira possibilidades talvez contenham maiores elementos da verdade; mas é provável que Jesus simplesmente tenha aqui instituído uma lei superior, temperada com a misericórdia, embora, ao mesmo tempo, tenha fornecido indícios de que todos os homens são considerados culpados diante de Deus, e que, por isso mesmo, devem ter o cuidado de não se porem a julgar indevidamente a outros. Em outras palavras, o Senhor tê-los-ia ordenado a não julgarem à mulher, e, sim, a eles mesmos.
8:8 E, tornando a inclinar-te, escrevia na terra.
Assim ele teria dado tempo a que o princípio que acabara de expor criasse raízes nas consciências de seus ouvintes originais, para que se admirassem ante uma lei mais profunda e mais elevada, temperada com misericórdia, que requeria o autoexame prévio. A ação de Jesus, neste versículo, reiterava o seu protesto silencioso, não querendo ele ser juiz de causas 'injustas e' pretenciosas. «Havia uma lei escrita nos seus corações; mas por alguns momentos ele escrevia no chão, a fim de convencê-los». (Ellicott, in loc.). O códex U e alguns poucos outros manuscritos posteriores acrescentam a este versículo o seguinte: «...os pecados de cada um deles...», mas o acréscimo é meramente uma tentativa de explicar o que Jesus escreveu, e não pode ser reputado autêntico à versão original desta narrativa. (Quanto a outras explicações sobre o que teria sido indicado na escrita que Jesus fez no chão, ver as notas referentes ao vs. 6 acima).
8:9 Quando ouviram isto foram saindo um a um, a começar pelos mais velhos, até os últimos; ficou só Jesus, e a mulher ali em pé.
Tholuck (in loc.) diz: «É fato historicamente confirmado que, naquele tempo, muitos rabinos proeminentes viviam em adultério». Alguns deles, pois, talvez tenham temido que, quando Jesus se levantasse novamente, viesse a apresentar algum testemunho contra eles, que não desejavam que viesse a ser conhecido publicamente; assim sendo, quando Jesus se baixou pela segunda vez, a fim de escrever no chão, aproveitaram-se da oportunidade dada por sua aparente preocupação para poderem escapar. Se eram mesmo ou não culpados do pecado de adultério, não sabemos; mas isso não impediu que a consciência de cada um deles os acusasse de alguma maldade igualmente grave, o que, por algum tempo, deixou-os desassossegados na presença de Jesus, preferindo estarem em algum outro lugar.
«Foram-se - e que mais poderiam ter feito? Não queriam ficar ali parados, enquanto os olhos do povo contemplavam alternadamente suas pessoas e o dedo que se movia para lá e para cá sobre o chão! Retiraram-se, é verdade; mas observemos quão ordeiramente o fizeram... talvez se tivessem demorado por um pouco mais, já que ninguém se dispunha a retirar-se em primeiro lugar, para que não parecesse estar se traindo, reconhecendo ser o pior pecador de todo o grupo». (Philip Schaff, in loc., no Lange’s Commentary).
Diversas interpretações têm sido oferecidas para explicar por qual razão se foram retirando um por um, começando pelos mais velhos até os mais jovens, a saber:
1. Foi um artifício para evitarem qualquer suspeita, pois a retirada ordeira demonstraria certo desígnio, e a ordem da retirada não poderia indicar quem era o mais culpado ou o menos culpado, visto que dependia da idade de cada um.
2. Naturalmente, quando a retirada teve começo, os mais jovens devem ter cedido lugar aos mais idosos: «Não antes do senhor, doutor reverendo, rabino Eliezer, rabino Jehudi, etc.» ( Philip Schaff, in loc.).
3. Os mais idosos, naturalmente, lembravam-se de maior número de pecados, e essa maior carga na consciência tê-los-ia impelido a se retirarem primeiro. (Assim pensava Robertson, in loc.; mas as outras explicações são mais prováveis). Todavia, Alford adianta qualquer coisa semelhante a isso, ao observar, in loc.: «Como que para indicar a ordem natural de convicção de pecado...» Pelo menos fica evidente, nesta passagem, que as palavras «mais velho», neste caso, visa a idade e não a posição social de cada um, embora as duas coisas ordinariamente andassem de mãos dadas segundo a hierarquia religiosa dos judeus.
«Partem, e todo o povo os contemplava. Suas longas vestimentas e suas largas filactérias não pareciam mais tão imponentes como quando chegaram. Foram-se embora. O tribunal adiara a sessão. Houve um adiamento, mas não precisamente por causa do motivo pelo qual o tribunal fora convocado. Houve convicção, mas não da acusada, e, sim, de seus acusadores; e estes, meio convencidos de sua culpa, não ousavam olhar frontalmente no rosto do Juiz, o qual era capaz de traspassar-lhes a alma com seus olhos». (Philip Schaff, in loc., no Lange's Commentary).
8:11 Respondeu ela: Ninguém, Senhor. E disse-lhe Jesus. Nem eu te condeno; vai-te, e não peques mais.
Que o homem não pode condenar o homem é o pensamento básico envolvido nestas palavras, mas que o julgamento deve vir de um tribunal muito superior, e que a lei regulamentadora deve ser a divina. O mesmo tema pode ser visto nos trechos de Mt 7:1 e Rm 2:1, sendo essa, igualmente, uma das aplicações da passagem de Mt 5:28, que faz recuar o crime até os seus motivos íntimos, e não somente até ao ato exteriorizado. Essa consideração, mui naturalmente, confina dentro de certos limites os julgamentos passados pelos homens; porque aquele que não se tiver feito culpado de atos externos, pode, em todos os casos, ter-se tornado culpado do desejo íntimo de cometê-los, por muitas vezes.
Aprendamos estas lições:
1. Não existe algo como a justiça crua, na maneira de Deus tratar com os homens.
2. Como Messias que era, Jesus tinha o direito de exigir a execução daquela mulher.
3. Mas preferiu ver o arrependimento a executar a justiça imediata. Portanto, agiu visando libertar à mulher, ao invés de levá-la à punição. Quão grande é a misericórdia divina!
4. Jesus desaprovou qualquer solução violenta, e isso fê-lo distinguir-se da lei tão severa de Moisés. Sua lei era melhor que a de Moisés, e ele sabia disso.
5. A brutalidade nada soluciona, e só satisfaz a indivíduos de baixo caráter espiritual. Jesus nunca daria qualquer satisfação aos acusadores da mulher.
6. Grande demonstração de misericórdia pode fazer mais que alguma grande pedra lançada contra o tórax do culpado. Esta mata o corpo; aquela, salva a alma. Ver como Paulo ensina a esse respeito, em Rm 2:4.
7. Aqueles que acusam aos «pecadores» são, eles mesmos, pecadores ainda piores. Dificilmente tem surgido alguém tão santo que tenha o direito de acusar a outrem. Esse alguém meramente terá sabido ocultar melhor os seus pecados, ou quiçá não tenha cometido os mesmos pecados que agora acusa noutros.
Jesus não condenou a mulher apanhada em flagrante adultério; e apesar de que não lemos neste episódio qualquer expressão de perdão de pecados, contudo, o perdão também fica subentendido na ordem baixada por Jesus para que ela não mais repetisse o seu pecado, o que nos permite ver que lhe foi dado um novo começo de vida. «Porquanto Deus enviou o seu Filho ao mundo, não para que julgasse o mundo, mas para que o mundo fosse salvo por ele». (Jo 3:17). A condenação sobrevêm porque os homens preferem ignorar a Luz de Deus e permanecer nas trevas. Mas aquela mulher escapou da condenação porque não quis mais permanecer nas trevas.
A narrativa não está completa para nós, posto nada sabermos das ações tomadas pelos seus acusadores, em data posterior; e também nada sabemos a respeito dela, se ela veio a tornar-se ou não discípula de Cristo. Existem lendas que asseveram que o nome da mulher era Susana e que subsequentemente se tornou uma mulher santa, discípula do apóstolo Tiago. Mas não podemos confiar em lendas. «Não podemos acompanhar a história das vidas que só são conhecidas por elas mesmas e por Deus. Contudo, a lição aqui encerrada é clara, e permanece de pé, condenando todo o juízo precipitado de um homem contra o pecado de outrem; condenando todo pecado em nossas próprias vidas; e declarando a todo o pecador que o perdão de Deus não nos condena». (Ellicott, in loc.).
Esta parte, pois, encerra diversas lições para nosso aprendizado. A experiência humana ensina-nos a considerar a humanidade com mais simpatia do que demonstrávamos ter quando mais jovens; e sem dúvida alguma esta parte nos ensina o grande valor e a profunda necessidade de simpatia. Goethe expressa admiravelmente isso, quando diz: «É mister tão-somente que envelheçamos para nos tornarmos mais suaves em nossos julgamentos. Não vejo nenhuma falta cometida que eu mesmo não pudesse ter cometido». (Maxims and Reflections of Goethe, pág. 86).
O Senhor Jesus também deixou entendido, nessa história, que há grande dose de hipocrisia na questão do julgamento de outras pessoas e que dificilmente existem homens qualificados a julgar seus semelhantes. Acrescente-se a isso o fato de que enquanto aqueles homens se retiravam, envergonhados ante a sua própria consciência, embora evidentemente resolvidos a não se arrependerem, a mulher permaneceu firme; e que apesar dela certamente sentir-se envergonhada e talvez perplexa, não estava aterrorizada. A atitude demonstrada por Cristo para com ela dá-nos motivo para bases firmes de esperança. Jesus a livrou das consequências naturais do pecado que ela cometera; mas, dentro desse mesmo livramento, ele lhe outorgou outra oportunidade de tornar-se santa, de buscar retamente a Deus, em sua própria alma. Mediante o seu julgamento e a sua simpatia de bondade, ele depositou essa esperança em nossas próprias mãos.
"Se o mistério do perdão divino para conosco não cria em nós um novo horror pelo pecado, com o qual já estávamos acostumados, ou que talvez gostássemos imensamente de renunciar, conferindo-nos igualmente um novo poder de resistência à tentação, uma nova pureza de vida e de natureza, então é que o tremendo plano divino de salvação ainda não foi desvendado inteiramente para nós; e, nesse caso, nem mesmo a vontade de Deus em perdoar-nos pode salvar-nos de nossa condenação». (Arthur John Gossip, in loc.).
Bibliografia R. N. Champlin